O estresse térmico compromete a produtividade e impacta até as gerações futuras
04 de junho, 2025
O bem-estar animal tem ganhado protagonismo nas discussões entre produtores, técnicos e pesquisadores em todo o mundo. Dentro desse amplo tema, o conforto térmico desponta como um dos pilares fundamentais para a produtividade dos bovinos leiteiros.
As pesquisas sobre os impactos do estresse térmico na bovinocultura leiteira evoluíram significativamente nos últimos anos, impulsionadas pela crescente preocupação com o aquecimento global. Com temperaturas cada vez mais elevadas e frequentes, vacas em diferentes regiões do planeta enfrentam desafios severos relacionados ao calor — e, em países tropicais como o Brasil, essa realidade é ainda mais crítica.
Diante desse cenário, estratégias como o confinamento associado ao resfriamento dos animais vêm sendo adotadas para mitigar os efeitos do estresse térmico. No entanto, é importante reconhecer que essas soluções demandam investimentos consideráveis, o que limita sua adoção por muitos produtores. A situação se agrava em sistemas a pasto, onde o manejo térmico é ainda mais complexo: os animais ficam expostos diretamente ao sol e, nem sempre, contam com sombra suficiente para garantir o conforto necessário.
Embora a maioria das discussões sobre o estresse por calor concentre-se nas vacas em lactação, é essencial ampliar esse olhar. O desconforto térmico durante o período pré-parto pode comprometer, de forma silenciosa, a saúde e o desempenho das bezerras — que representam o futuro genético da fazenda.
Cuidados como a colostragem adequada, a cura correta do umbigo e a nutrição planejada nos primeiros dias de vida são fundamentais, e já foram abordados em outras edições da Revista Leite Integral. No entanto, há um fator frequentemente negligenciado: a influência direta das condições térmicas enfrentadas pela vaca no pré-parto sobre o desenvolvimento da bezerra.
Nesta matéria, vamos explorar como o estresse térmico pode impactar, de forma profunda e duradoura, a saúde, o crescimento e a produtividade das bezerras — desde o útero até os primeiros meses de vida.
Estresse térmico em vacas gestantes: impactos antes mesmo do nascimento
A duração da gestação em vacas leiteiras pode variar em função de diversos fatores, como raça, condição corporal, ambiente e até o sexo do animal. Em média, vacas da raça Holandês apresentam período gestacional de aproximadamente 282 dias, embora variações de alguns dias para mais ou para menos sejam consideradas normais. Raças europeias tendem a ter gestações ligeiramente mais curtas do que raças zebuínas, e vacas que gestam machos costumam parir, em média, 1,2 dia mais tarde do que aquelas que gestam fêmeas. Embora essas variações sejam naturais, estudos recentes revelam que o estresse térmico no final da gestação pode interferir diretamente nesse processo, encurtando significativamente o tempo de gestação e comprometendo o pleno desenvolvimento fetal.
Estudos demonstram que o estresse térmico no final da gestação pode antecipar o parto em até seis dias, com média de encurtamento gestacional de 3,2 dias. Esse efeito está associado a alterações hormonais provocadas pelo calor, que afetam o eixo endócrino responsável pela manutenção da gestação e pela maturação fetal. O resultado é um nascimento precoce, com bezerros de menor peso e, frequentemente, com menor vitalidade.
A redução do tempo de desenvolvimento intrauterino compromete a formação plena dos órgãos e sistemas do bezerro, impactando diretamente seu desempenho nas fases iniciais da vida — e, em muitos casos, com efeitos persistentes na produtividade futura.
Além dos efeitos sobre o feto, o estresse por calor impõe sérias consequências à fisiologia da vaca. Para manter a homeostase térmica, o organismo prioriza mecanismos de dissipação de calor, como aumento da frequência respiratória e redução da ingestão de alimento. Isso compromete o balanço energético, reduz a produção de colostro de qualidade e prejudica a própria recuperação pós-parto da vaca. Em outras palavras, a vaca sofre — e a bezerra, ainda dentro do útero, também.
Calor e reprodução: um obstáculo invisível para a prenhez
Quando expostos a temperaturas elevadas, os bovinos sofrem uma série de alterações fisiológicas e hormonais que comprometem diretamente seu desempenho reprodutivo. Uma das primeiras respostas ao estresse térmico é o aumento da produção de cortisol — o hormônio do estresse —, que, em excesso e de forma prolongada, exerce efeitos negativos sobre o eixo reprodutivo.
O aumento do cortisol afeta a liberação do hormônio GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas), reduzindo a liberação de LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio folículo-estimulante). Essa supressão hormonal interfere diretamente no recrutamento e desenvolvimento folicular, na maturação dos oócitos e na ovulação, resultando em queda na fertilidade das fêmeas submetidas ao estresse térmico.
Com a produção reduzida de estrógenos — hormônios essenciais para a manifestação do estro e para a preparação do útero à gestação —, observa-se queda na expressão do cio, dificultando sua detecção. Esse quadro, conhecido como estro silencioso, compromete o manejo reprodutivo e reduz significativamente as taxas de concepção, já que a inseminação artificial pode ser realizada fora do momento ideal.
O calor excessivo também afeta a formação e funcionalidade do corpo lúteo, estrutura responsável pela produção de progesterona — hormônio fundamental para a manutenção da gestação. A deficiência de progesterona eleva o risco de perda embrionária precoce e reduz a eficiência reprodutiva do rebanho.
A mortalidade embrionária é um dos efeitos mais graves do estresse térmico. Nos primeiros dias após a fertilização, o aumento da temperatura corporal da vaca pode comprometer a sobrevivência do embrião, afetando a implantação e a comunicação materno-fetal. Fatores importantes para a manutenção da gestação, como a secreção de proteínas uterinas específicas, são prejudicados nesse processo.
Esses impactos tendem a ser mais pronunciados em vacas de alta produção, que naturalmente geram mais calor metabólico em razão da intensa síntese de leite. Assim, mesmo em ambientes com temperaturas moderadas, essas vacas enfrentam um risco elevado de perdas gestacionais, quando comparadas a novilhas ou vacas de menor produção.
A resistência ao estresse térmico, por sua vez, varia entre as raças. Embriões de raças zebuínas demonstram maior tolerância ao calor do que os de raças europeias, o que contribui para o melhor desempenho reprodutivo dos zebuínos em regiões tropicais. Estratégias de cruzamento entre raças europeias e zebuínas podem aumentar a rusticidade e a resiliência dos animais ao calor, reduzindo as perdas reprodutivas em sistemas de produção sob altas temperaturas.
Calor demais, leite de menos: os reflexos do estresse térmico na lactação
O impacto do estresse térmico vai muito além do desconforto imediato das vacas: deixa marcas profundas que comprometem a produção leiteira durante toda a lactação seguinte. Estudos indicam que vacas submetidas ao estresse por calor durante o período seco produzem, em média, 3,6 quilos a menos de leite por dia ao longo da lactação subsequente —perda significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto fisiológico.
Essa redução está diretamente relacionada a alterações na glândula mamária. O estresse por calor afeta o desenvolvimento e a renovação celular do tecido mamário durante o período seco, reduzindo o número de células epiteliais responsáveis pela síntese e secreção de leite. O resultado é uma glândula menos eficiente, com menor capacidade funcional ao longo da lactação.
Além disso, observa-se uma queda mais acentuada na curva da lactação. Isso decorre de modificações epigenéticas no tecido mamário e da limitação do metabolismo da vaca, que encontra dificuldades para sustentar altos níveis produtivos sob condições adversas.
O estresse térmico também gera um desequilíbrio no uso dos nutrientes. A glicose, fundamental para a síntese de lactose — principal regulador do volume de leite —, é desviada para funções de manutenção da homeostase térmica. Com menos glicose disponível para a glândula mamária, a produção de leite é comprometida, consolidando os prejuízos produtivos do estresse por calor.
Quando o calor pesa na balança: bezerras mais leves e desaleitamento comprometido
Nos dois últimos meses de gestação, as bezerras adquirem cerca de 60% do seu peso final. No entanto, vacas submetidas ao estresse por calor nesse período enfrentam dificuldades na absorção e no uso de nutrientes essenciais ao crescimento fetal. A antecipação do parto, comum em vacas sob calor excessivo, impede o desenvolvimento pleno do feto, resultando em bezerras mais leves ao nascimento — com diferença média de 4,6 kg em relação aos nascidos de vacas resfriadas.
Esse prejuízo se estende além do nascimento. No desaleitamento, as filhas de vacas que aram por estresse térmico no pré-parto podem pesar até 7,1 kg a menos do que aquelas cujas mães receberam manejo térmico adequado.
A placenta, peça-chave no fornecimento de oxigênio e nutrientes ao feto, é extremamente sensível ao ambiente materno. Sob estresse por calor, o organismo da vaca redireciona o fluxo sanguíneo para a pele para dissipar calor, reduzindo o volume de sangue destinado ao útero. Essa limitação compromete a oxigenação e a nutrição fetal, com consequências metabólicas que podem se prolongar por toda a vida do animal.
Embora o organismo tente compensar esse quadro aumentando a área de superfície dos cotilédones placentários, essa adaptação raramente é suficiente para suprir as necessidades do feto. Soma-se a isso a redução na ingestão alimentar da vaca durante o calor intenso, agravando ainda mais o risco de nascimento de bezerros subdesenvolvidos.
Após o nascimento, o desafio continua. Bezerros submetidos ao estresse térmico — especialmente aqueles que já aram por essa condição no útero — tendem a consumir menos leite e alimento concentrado, sobretudo nos horários mais quentes do dia. Esse menor consumo compromete o ganho de peso, o desempenho inicial e a eficiência do desmame.
Estudos demonstram que o fornecimento de estratégias de resfriamento ativo — como ventilação forçada e aspersão — é eficaz não apenas para proteger a vaca, mas também para garantir um início de vida mais saudável e produtivo para os bezerros. Como resume uma das pesquisas: “bezerros expostos ao estresse por calor após o nascimento consumiram menos sucedâneo por dia e por hora do que bezerros criados em condições térmicas adequadas.”
Estresse térmico nos primeiros dias: obstáculo ao crescimento saudável
Bezerros expostos ao estresse térmico apresentam comprometimento do sistema imunológico, tornando-se mais suscetíveis a doenças. O calor excessivo pode afetar a resposta imunológica ao reduzir a absorção de anticorpos do colostro, que são essenciais para a proteção nas primeiras semanas de vida. Além disso, esses animais tendem a ter menor resistência a desafios ambientais, o que pode impactar a longevidade e o retorno econômico do sistema de produção.
Por isso, investir em estratégias de mitigação do estresse térmico desde a gestação até o desaleitamento é essencial para garantir um desempenho produtivo sustentável. Um estudo ressalta que “o estresse térmico pré-natal predispõe os bezerros a uma sensibilidade ao calor e isso acontece porque os animais não conseguem dissipar o calor do corpo de maneira satisfatória no pós-natal“.
Essas deficiências no controle térmico podem ter impactos negativos na saúde, na longevidade e na eficiência produtiva do animal.
O calor deixa herança: o impacto do estresse térmico em múltiplas gerações
Outro ponto importante sobre o estresse térmico em bezerras é que seus efeitos não se limitam apenas a elas. Isso mesmo: uma bezerra que sofreu estresse térmico ainda no útero terá não só sua produtividade comprometida, mas também a de sua filha — e até mesmo a de sua neta.
Pesquisas têm mostrado que esses efeitos são especialmente evidentes na produção de leite. O calor parece interferir na expressão de genes importantes para o desempenho produtivo, e genes associados à menor produção de leite têm sido identificados em descendentes de vacas submetidas ao estresse térmico durante a gestação.
Estratégias de manejo para minimizar o impacto do estresse térmico
Reduzir os efeitos negativos do estresse térmico exige a adoção de estratégias de manejo bem planejadas. Entre as mais eficazes estão o fornecimento de sombra, ventilação adequada e sistemas de aspersão de água — medidas que ajudam a diminuir a carga térmica dos animais de forma comprovada.
Ajustes na dieta também são fundamentais. Oferecer alimentos de alta digestibilidade e garantir o constante à água fresca contribui para a manutenção da homeostase térmica e melhora o conforto dos animais. Bezerros mantidos sob resfriamento ativo apresentam melhor desempenho alimentar e maior conforto térmico, o que se reflete diretamente em um crescimento mais eficiente. Um estudo observou que “o resfriamento pós-natal melhorou a ingestão alimentar e reduziu a frequência de posturas indicativas de desconforto térmico.”
Embora o estresse térmico possa afetar qualquer animal, as raças leiteiras de origem europeia — como Holandês, Jersey e Pardo-Suíço — são especialmente vulneráveis. Isso porque foram desenvolvidas em ambientes de clima mais frio e, quando inseridas em regiões tropicais como o Brasil, não contam com os mecanismos físicos e biológicos adequados para dissipar calor com eficiência. Uma estratégia amplamente adotada no Brasil para contornar esse desafio é o cruzamento entre raças, buscando reunir o melhor de cada uma. Normalmente, combina-se uma raça europeia de alta produção leiteira com uma raça zebuína, que confere rusticidade e maior adaptação ao calor. O exemplo mais emblemático dessa estratégia é o Girolando, que alia produtividade e resistência térmica.
Considerações finais
O estresse térmico em vacas leiteiras representa desafio relevante, com efeitos que vão muito além do desconforto momentâneo. Compromete o bem-estar dos animais, reduz a produtividade, interfere na reprodução e afeta diretamente a longevidade do rebanho.
Os impactos começam ainda na fase gestacional, influenciando negativamente o desenvolvimento fetal, a imunidade das bezerras e, mais adiante, a capacidade produtiva. Diante disso, investir em estratégias de manejo que minimizem os efeitos do calor não é apenas uma recomendação — é uma necessidade para garantir a sustentabilidade dos sistemas de produção.
Práticas como o resfriamento ativo, o ajuste nutricional e o uso estratégico do cruzamento genético têm se mostrado eficazes para reduzir os prejuízos causados pelo estresse térmico. Ao adotar essas medidas, o produtor investe na saúde dos animais, na eficiência e na rentabilidade da atividade leiteira.
Fonte: Revista Leite Integral